Ficamos entusiasmados ao ver um de nossos filmes favoritos, Cidade de Deus, retornar à tela grande (é claro que o assistimos) e, ao mesmo tempo, decidimos dar uma olhada nas favelas da capital do Carnaval e do futebol brasileiro para encontrar os melhores talentos do hip-hop local. Já falamos sobre a diversificada (e incrivelmente fotogênica) cena rap porto-riquenha, bem como sobre os ousados mestres do bate-papo da Argentina. Mas seus alegres vizinhos foram (muito imerecidamente) ignorados.
A história do hip-hop no Brasil é tão colorida quanto as fantasias de carnaval dos sambistas e, de acordo com algumas fontes (principalmente brasileiras), o rap nasceu no país ainda mais cedo do que nos EUA. É claro que isso é muito mais uma suposição artística do que um fato histórico, mas a cultura do rap de fato percorreu um longo caminho pelos vários estados do país, especialmente em dois deles. Como geralmente acontece com o rap, o gênero não conseguiu coexistir pacificamente em diferentes regiões. No Brasil, o confronto mais fundamental (como no futebol) é entre Rio de Janeiro e São Paulo (este último está ganhando até agora). Você já sabe do nosso amor por estourar pipoca enquanto assiste ao confronto, por isso, não deixaremos de pesquisar pedantemente todo o histórico do hip-hop brasileiro. Algum dia. Nesse meio tempo, assistimos a um filme sobre o Rio e, no futebol, nossa simpatia está do lado do Botafogo (no entanto, metade da equipe editorial está mais do lado do bar de mesmo nome do que do clube esportivo), então hoje nosso foco será a leitura dos cariocas (como eles chamam os habitantes do Rio de Janeiro).
Marcelo D2
Provavelmente o mais famoso rapper carioca. Para entender o nível de sua influência no setor, Marcelo é respeitado até mesmo em São Paulo. Ele começou sua carreira como membro do coletivo de rap-rock Planet Hemp, mas depois se comportou como um artista de verdade: desentendeu-se com os outros membros da equipe e seguiu carreira solo.
A decisão, no entanto, acabou sendo mais do que justificada. Sua abordagem ousada em relação à música, bem como o fato de ele empurrar os sons do samba de forma patriótica para onde quer que pudessem ser empurrados, foram muito apreciados pela crítica e pelo público. Os rappers norte-americanos também gostaram de Marcelo: seu disco À Procura da Batida Perfeita foi produzido por Mario C, conhecido por seu trabalho com os Beastie Boys, e o próprio will.i.am entrou na onda.
Mas a principal coisa que D2 conseguiu fazer foi refutar uma tese irrefutável do hip-hop. Bem, lembre-se: e a rua, da qual você pode até sair, mas ela (a rua) de você definitivamente não vai a lugar algum? Em suas faixas, Marcelo se mantém o mais distante possível das favelas e de outros saberes gangsta, preferindo falar da cultura brasileira em geral. Com um olho na beleza do samba, é claro.
MV Bill
Vamos voltar ao gangsta rap. Tente se lembrar dos representantes mais legais do gênero em sua opinião. Você se lembra? Bem, agora esqueça. Alexander Pereira Barbosa cresceu onde nem 2Pac nem Biggie teriam durado alguns dias. MV Bill se tornou a voz da Cidade de Deus, a favela mais infame do Rio de Janeiro.
E se Marcelo D2 tenta se distanciar o máximo possível das ruas, MV Bill é a rua. As faixas do rapper estão saturadas com a raiva e a brutalidade dos bairros dominados pelo crime, e a pedra angular das letras continua sendo o assassinato, a ilegalidade e o tráfico de drogas. Mas, ao contrário de seus colegas norte-americanos, que são muito mais propensos a glorificar e romantizar tudo isso, Barbosa desafia e odeia tudo isso. Lembram-se de como os rappers de todos os gêneros se criticam uns aos outros nas faixas? MV Bill insulta políticos e líderes do crime. E ninguém o matou ainda. Em nossa opinião, isso é tudo o que você precisa saber sobre o cool.
Apesar da agressividade de sua produção criativa, em sua vida cotidiana MV Bill se dedica ao oposto: ele se esforça para erradicar essa violência das crianças das favelas. O rapper é dono de várias instituições de caridade e fundações cujo principal objetivo é substituir todos os hobbies mortais favoritos na cabeça dos adolescentes pela cultura de rua. Barbosa ensina hip-hop, breakdance e grafite às crianças locais, ajuda os viciados em drogas a se limparem e está constantemente participando de debates com políticos, oferecendo soluções para os problemas existentes. Mas é como se Deus simplesmente não se importasse com sua “cidade”. Ele não é visto na Cidade de Deus há muito tempo.
Xamã
A vida brutal das favelas? Confronto com rivais do São Paulo? Gayjon Carlos da Cruz Fernandes não se importa com nada disso. O rapper carioca decidiu que o código do rapper, em todos os sentidos da nova escola, permite que ele não ligue para a agitação tradicional do hip-hop e faça apenas o que gosta, ganhando dinheiro com tudo o que o progresso tecnológico proporcionou. Xamã está seguindo uma carreira como vlogger no YouTube, enchendo sua voz com todos os tipos de plug-ins para agradar ao público, gerando milhões de transmissões e simplesmente aproveitando a vida de um superstar moderno. Carros, garotas, roupas, unhas pintadas, festas na praia, festas em clubes, festas onde quer que você possa (e não possa) organizá-las. Em todas as situações obscuras, o rapper tira a camisa, completamente despreocupado com alguns quilos a mais ganhos após receber generosos adiantamentos das gravadoras. Xamã decidiu montar uma casa cheia de estereótipos sobre os brasileiros otimistas, e conseguiu.
No entanto, apesar de toda a simplicidade e falta de arte de seu hip-hop, Xamã é capaz de dar a qualquer compatriota uma vantagem na velocidade de suas leituras, e poucos podem se gabar de tais indicadores nas plataformas digitais do Rio.
De qualquer forma, gostaríamos muito de estar com esse cara nessa bela noite de sexta-feira, mas a viagem é longa. Então, vamos até o bar mencionado acima.